Estabilidade da mulher grávida por inseminação artificial |
Grande parcela do mercado de trabalho, em todos os ramos e nas mais variadas posições hierárquicas, é composto por mulheres, sendo que as pouquíssimas profissões que tentam resistir a tal estão fadas ao fracasso, na exata medida em que a globalização e a necessidade de mercado tornam inexorável presença feminina em todos as áreas.
No mesmo sentido a legislação trabalhista evoluiu, ao seu tempo, para adequar-se as novas realidades, passando a regulamentar não apenas sobre regras de âmbito geral, mas também sobre questões pontuais, as quais mereciam – e merecem – atenção diferenciada. É o caso da proteção ao trabalho da mulher. A CLT, neste aspecto, trata de maneira didática o assunto, destinando o capítulo III para tratar da proteção do trabalho da mulher. Apesar da distinção, o que se busca é a igualdade entre o trabalhador do sexo masculino e a do sexo feminino, vez que, como já dizia Rui Barbosa, igualdade significa “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam”. O caput do primeiro artigo capítulo III da CLT (artigo 372) revela este objetivo ao dizer que “os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este Capítulo”.
Dentre todos os direitos inerentes as trabalhadoras do sexo feminino, destacamos o da estabilidade ao emprego da gestante.
É cediço que a trabalhadora gestante possui direito à estabilidade de emprego, garantia esta prevista expressamente no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Federal de 1988, já sedimentada na jurisprudência trabalhista.
Tal garantia se dá quando da confirmação da gravidez, ou seja, mesmo sem o conhecimento do empregador sobre estado gravídico da empregada, esta tem garantido o direito à estabilidade provisória de emprego, não podendo ser dispensada sem justo motivo, tendo garantida a estabilidade no emprego mesmo em caso de engravidar no curso do aviso prévio (indenizado ou trabalhado).
O “direito à maternidade” e a proteção jurídica que lhe é pertinente são indiscutíveis. Trata-se de um direito social, porque tem por objetivo assegurar condições adequadas para o período de gestação em benefício da mãe, do nascituro e da família. Assim, a proibição imposta por empregadores a mulheres que desejam engravidar é repudiada social e juridicamente, inclusive já é objeto de decisões proferidas pela mais alta Corte Trabalhista do país. Estes casos e direitos são de conhecimento de todos aqueles com prática jurídica no âmbito laboral, não havendo qualquer discussão ou tese inovadora. Contudo, para os casos que fogem desse padrão, o debate é amplo.
É o caso de uma mulher que deseja engravidar, mas que, para isso, recorre a tratamentos médicos. Sabe-se que os métodos de reprodução assistida já são muito utilizados por diversos motivos (mulheres solteiras, homossexuais ou mesmo que possuam – elas ou seus companheiros – dificuldades para engravidar pelo método natural).
Tome-se como exemplo o caso de uma mulher, devidamente inserida no mercado de trabalho, que decide se valer da inseminação artificial para engravidar. Para esta situação hipotética, quando se inicia a proteção jurídica relativa à gestação? Ela tem ou não direito a garantia provisória de emprego? A partir de quando?
A resposta a estas questões deve passar necessariamente pela aplicação do princípio da boa-fé contratual, uma vez que o empregador que tenha conhecimento de que a sua empregada encontra-se em tratamento médico para engravidar, não poderá dispensá-la sem justa causa, porque tal ato seria caracterizado como dispensa obstativa, na medida em que o ato de dispensá-la imotivadamente visaria claramente impedir que a trabalhadora obtivesse a estabilidade provisória no emprego decorrente da gestação.
Há que se ponderar que, mesmo ausente o requisito expresso no dispositivo legal e ensejador do direito à estabilidade – qual seja, estar grávida – a dispensa imotivada da trabalhadora a impediria de ter o direito.
Interpretação contrária forçaria a empregada a ocultar do empregador seus interesses e projetos pessoais de vida, com receio da dispensa imotivada, o que revela um caráter discriminatório no tratamento da mulher no ambiente de trabalho, situação jurídica de todo incompatível com os princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana, da proteção à maternidade, da proteção à família, etc.
Porém, importante destacar que, assim como o trabalhador tem direito ao pedido de demissão imotivado, a empresa também possui o direito à dispensa sem justa causa. Contudo, presumir-se que a dispensa imotivada em casos de trabalhadoras que buscam engravidar por meios de tratamentos médicos não tenha qualquer vinculação com a provável estabilidade que se aproxima é de tamanha ingenuidade e, até mesmo, de desrespeito ao princípio do “in dubio pro operario”, isto é, a proteção da parte mais frágil na relação de trabalho: o trabalhador.
Debates jurídicos desta natureza já chegaram ao Judiciário Trabalhista, tendo havido decisões tanto no sentido de resguardar o direito à garantia do emprego da gestante, quanto no sentido contrário. Contudo, a solução definitiva ainda encontra-se pendente no âmbito dos Tribunais Superiores.
Almir Moreira Neto