CONTAMINAÇÃO DE EMPREGADO POR COVID-19: É OU NÃO ACIDENTE DE TRABALHO? |
Marcelo Wanderley Guimarães
Advogado. Mestre em Direito pela UFPR. Professor de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Sócio do escritório Marcelo Guimarães & Advogados Associados.
No último dia 29 de abril o STF proferiu decisão suspendeu a eficácia do art. 29 da MP 927/2020, que impedia o reconhecimento de a Covid 19 – doença causada pela infecção do corona vírus – vir a ser reconhecida como uma doença ocupacional, que por força de lei é equiparada a acidente de trabalho.
Em razão desta decisão, muitas notícias têm reportado o tema de maneira direta, como se toda infecção de trabalhador por corona vírus fosse imediatamente considerada doença ocupacional e, assim, equiparada a acidente de trabalho.
Entendemos que a decisão do STF apenas afastou o impedimento de que a doença seja reconhecida como acidente de trabalho, mas torna toda e qualquer contaminação de trabalhador uma doença ocupacional.
Sabe-se que o afastamento de empregado por acidente de trabalho tem consequências diferentes do afastamento por doença comum, algumas mais graves para o empregador. Por exemplo: a) mantém a obrigação do recolhimento do FGTS durante o período de afastamento; b) gera ao empregado o direito ao auxílio doença-acidentário após 15 dias de afastamento; c) gera ao empregado a garantia de emprego por 12 meses após o seu retorno ao trabalho; d) pode acarretar ao empregador a responsabilidade por indenizar danos morais e materiais, inclusive o pagamento de pensão mensal vitalícia ao empregado ou seus dependentes no caso de incapacidade laboral ou morte.
A decisão do STF foi tomada nos seguintes processos: ADIs 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352, 6354. Entre outros pedidos, as ações pretendiam a suspensão do art. 29 da MP 927, que tem a seguinte redação: “Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.
Embora a decisão ainda não esteja publicada, o site do STF traz a notícia do julgamento, donde se extrai o seguinte trecho:
Segundo o ministro, o artigo 29, ao prever que casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação de nexo causal, ofende inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos ao risco.
O que havia na MP, portanto, era uma vedação ao reconhecimento de doença ocupacional para os casos de contaminação pelo corona vírus, exceto se comprovado o nexo causal. É esta vedação que, ao meu ver, foi suspensa pelo STF. Isso não significa que todos casos de contaminação passarão a ser considerados como doença ocupacional/acidente de trabalho, porque mesmo antes da MP 927 já existia norma legal a regular o assunto, cujo teor não está no objeto das ações julgadas pelo STF.
A Lei 8213/91, art. 20, estabelece que é considerada acidente de trabalho a “doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente,…”. Já o § 1º, “d”, desse dispositivo, diz que não são consideradas como doença do trabalho: “a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”
Portanto, segundo a previsão legal já existente, a doença endêmica, como é o caso da Covid 19, já não é considerada doença do trabalho, exceto se a exposição ou o contato direto com o vírus é decorrente da natureza do trabalho.
Essa norma é compatível com a decisão proferida pelo STF, sobretudo porque o trecho acima citado se refere ao fato de a norma, tal como estava prevista na MP 927, ofender “inúmeros trabalhadores de atividades essenciais expostos ao risco”. Isso significa que a preocupação do STF é garantir direitos aos trabalhadores expostos ao risco de contaminação em função da atividade que desenvolvem.
Para os profissionais da saúde, por exemplo, a exposição é direta e decorre da natureza do trabalho, assim como para os profissionais que executam suas funções diretamente relacionadas ao combate da pandemia.
Portanto, nos termos da Lei, para os trabalhadores não expostos diretamente ao contágio em razão de suas atividades profissionais, a doença endêmica não é considerada doença ocupacional e, assim, não será equiparada ao acidente de trabalho.
Já para os trabalhadores mais expostos ao contágio em razão de suas atividades profissionais, permanece a possibilidade de reconhecimento da doença ocupacional, considerada acidente de trabalho, com todos os efeitos daí decorrentes, inclusive com a possibilidade de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, isto é, independente de culpa, caso seja uma instituição que, por sua natureza, expõe o empregado a esse tipo de risco de forma mais acentuada, como são os hospitais, no caso da Covid 19.
Cabe registrar que a decisão proferida pelo STF foi em sede liminar, ou seja, não se trata de uma decisão definitiva e não tem acórdão publicado até esta data o que dificulta a sua interpretação neste momento.
De outro lado, não é menos importante relembrar que existem diversas determinações dos governos – federal, estadual e municipal – a respeito de medidas de distanciamento e isolamento social, bem como precauções a serem adotadas pelas empresas para reduzir a propagação do vírus, muitas delas a respeito do ambiente de trabalho, tais como: uso obrigatório e fornecimento de máscaras pelo empregador no ambiente de trabalho, demarcação de distância entre os trabalhadores, número máximo de pessoas por área (9m2/pessoa – recomendável por norma de Curitiba/PR, por exemplo), fornecimento de álcool em gel ou local adequado para higienização com água e sabão, entre outras.
Desse modo, quando o empregador não está obrigado a suspender integralmente suas atividades, deve seguir as normas de proteção e preservação da saúde dos trabalhadores, sob pena de, em se comprovando que o contágio ocorreu no local de trabalho, sobretudo se não foram seguidas as determinações de redução de riscos, vir a ser chamado à responsabilização e reparação de danos.
Por outro lado, caso a empresa adote todas as medidas de higiene, saúde e segurança, determinadas ou recomendadas com o objetivo de evitar a propagação e contágio pelo corona vírus, desde que não seja uma empresa exposta ao risco de contágio em razão da sua atividade específica, entendemos que eventual contágio de empregados não deverá ser considerado como doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho e sim como doença comum.
Evidentemente, todas as peculiaridades do caso concreto podem estar sujeitas a análise em processo judicial e ou administrativo, como eventual fiscalização do ambiente de trabalho pelas autoridades públicas, como a Secretaria do Trabalho ou Ministério Público do Trabalho, razão pela qual a empresa deve manter registro de todos os procedimentos que adotou e orientações que passou aos empregados como medidas preventivas para evitar a propagação da doença e o contágio de seus empregados.
Assim, pode-se dizer que a decisão do STF repara uma regra injusta que pesava contra os interesses dos trabalhadores cujas funções os expõem ao risco de contágio, no entanto, não torna todo e qualquer contágio pelo corona vírus, automaticamente, um acidente de trabalho.