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A MP 905, CHAMADA DE MINIRREFORMA TRABALHISTA |
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A busca por alterações na legislação trabalhista brasileira continua intensa. A Lei 13.467 modificou uma centena de disposições da CLT e está em vigor desde 11/novembro/2017. Menos de dois anos depois, a Lei da Liberdade Econômica trouxe várias novidades nas regras jurídicas aplicadas nas relações de emprego, como comentamos em outros artigos que podem ser consultados no site do escritório (clique aqui). Mais recentemente, no segundo aniversário da Reforma Trabalhista, a publicação da MP 905/2019 traz novas mudanças, dentre elas a criação do que vem denominado como Contrato de Trabalho Verde e Amarelo.
A Medida Provisória (MP) é uma norma de iniciativa do Presidente da República, que passa a valer imediatamente após a sua publicação, mas tem prazo para ser analisada e votada pelo Congresso. Se não ocorre a votação no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, a MP perde a eficácia, isto é, deixa de existir no mundo jurídico (ou simplesmente “caduca”, no jargão popular).
No último dia 12/fevereiro a MP 905 teve a sua prorrogação confirmada pelo Congresso Nacional. Assim, terá que ser votada até o dia 20/abril. Durante a sua tramitação até aqui, houve inúmeras propostas de alterações, indicando a possibilidade de aprovação e conversão em lei, apesar das várias mudanças que poderão ainda ocorrer no texto. Daí a necessidade de acompanhar o tema.
A quantidade de assuntos tratados é grande e por isso optamos por fazer esta síntese nesta série MP 905 em 3 pequenos artigos. Neste primeiro, vamos fazer apenas um apanhado e um breve resumo dos pontos mais gerais. No próximo artigo vamos tratar apenas do assim chamado Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, devido a sua importância e ao conjunto de inovações trazidas na MP. No último, vamos falar sobre mudanças significativas no tocante à atividade de Fiscalização do Trabalho, que tem o potencial de trazer grandes dores de cabeça ao empresariado. Mãos à obra!
Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho: os serviços de habilitação e reabilitação física e profissional passam a ser prestados pelo INSS. Para fazer frente às despesas do Programa, a MP prevê as seguintes fontes de receitas: (I) “multas ou penalidades aplicadas em ações civis públicas trabalhistas decorrentes de descumprimento de acordo judicial ou termo de ajustamento de conduta”;(II) “danos morais coletivos decorrentes de acordos judiciais ou de termo de ajustamento de conduta”, sempre no âmbito da União e do Ministério Público do Trabalho; e ainda (III) “valores devidos por empresas que descumprirem a reserva de cargos destinada a pessoas com deficiência, inclusive referentes à aplicação de multas”. A norma retira relativa discricionariedade do Poder Judiciário e do Ministério Público do Trabalho quanto à destinação das verbas mencionadas nos incisos I e II, no entanto, desvincula a utilização desses mesmos valores após o período de 5 anos, contados do depósito, caso não sejam utilizados nesse período. Quanto aos valores previstos no inciso III, nem mesmo existe a vinculação da sua destinação ao Programa.
Extinção da contribuição social (adicional) de 10% ao FGTS: a MP também previa a extinção da contribuição de 10% paga pelo empregador ao FGTS (adicional aos 40% de multa devida ao empregado na dispensa sem justa causa), que vinha sendo paga desde a Lei Complementar 110/2001. A extinção desta contribuição já foi definida pela Lei 13.392 de 11.12.19, válida a partir de janeiro/2020, independente da votação da MP.
Programa Nacional de Microcrédito Orientado–PNMPO: o programa foi instituído pela Lei 13.636/2018, que visa “apoiar e financiar atividades produtivas de empreendedores, principalmente por meio da disponibilização de recursos para o microcrédito produtivo orientado”. A mudança principal é a ampliação do acesso ao microcrédito. O limite de renda ou receita bruta anual passa de R$200.000,00 para R$360.000,00, para pessoas físicas ou jurídicas, isto é, adotou-se o mesmo valor utilizado para o enquadramento das microempresas no regime tributário SIMPLES NACIONAL. Além disso, deixou-se de exigir que o primeiro atendimento ao empreendedor seja realizado apenas de modo presencial, podendo ser utilizadas as plataformas digitais tanto na obtenção do crédito quanto nas orientações. Por fim, a MP procurou também ampliar a possibilidade de entidades aptas a atuar na concessão desta modalidade de crédito.
Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade: possibilita que os requerimentos iniciais e de revisão de benefícios com prazo de conclusão expirado passem a integrar o Programa Especial, isto é, o chamado “pente fino” do INSS, que tem sido responsável pelo corte de milhares de benefícios previdenciários. O assunto é complexo e requer análise com profundidade, que não cabe no espaço deste artigo.
A minirreforma trabalhista. Vamos agora apresentar as alterações que configuram a principal razão para que MP venha sendo chamada de minirreforma trabalhista. No Capítulo V da MP são alteradas mais de uma centena de disposições trabalhistas, muitas delas da própria CLT e outras da legislação esparsa. Com exceção do contrato verde e amarelo e da fiscalização do trabalho, com links acima indicados, as principais modificações podem ser resumidas a seguir.
Arquivo eletrônico: autorização para armazenamento em meio eletrônico de documentos relativos a obrigações trabalhistas.
Anotação do vínculo de emprego pelo AFT: determinação para que o Auditor Fiscal do Trabalho, quando identificar empregado sem registro em CTPS, realize, de ofício, as anotações do vínculo no sistema eletrônico (e-social/CTPS-digital), além da aplicação da penalidade cabível.
Anotação do vínculo de emprego pela JT: determinação para que a Justiça do Trabalho, em ação que venha a reconhecer vínculo de emprego, comunique a autoridade competente para realização das anotações mencionadas no item anterior ou promova, ela própria, tais anotações, se possível mediante acesso a sistema eletrônico específico.
Trabalho em domingos e feriados: a MP autoriza de forma generalizada o trabalho em domingos e feriados, independentemente do ramo de atividade da empresa, garantindo que o repouso seja no domingo 1 vez a cada 4 semanas para os trabalhadores do comércio, observada para estes a legislação do Município, e 1 vez a cada 7 semanas para os da indústria; determina também que o domingo ou o feriado trabalhado, sem folga compensatória, seja remunerado em dobro.
Jornada do bancário: a norma eleva de 6 para 8 horas a jornada normal do bancário, inclusive com a possibilidade de trabalho aos sábados, exceto na função de caixa.
Alimentação: a MP prevê que a alimentação fornecida in natura ou outras formas como tíquetes, cartões etc, não tem natureza salarial e não deve ser considerada para fins de contribuição previdenciária, de tributação sobre a folha de pagamento ou para fins de imposto de renda.
Gorjetas: a MP volta a tratar do tema “gorjetas”, o que tem sido matéria de frequentes alterações nos últimos anos. Desta vez, a norma prevê que as gorjetas, quando cobradas, devem ser inseridas na nota fiscal, mas se destinam aos trabalhadores e não constituem receita própria dos empregadores, devendo ser rateadas conforme previsto em norma coletiva ou, quando inexistente, como definido em assembleia geral de trabalhadores. A regra permite que parte do valor cobrado seja retida pela empresa para fazer frente aos encargos “sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados”; para as empresas do regime SIMPLES, permite-se a retenção de até 20%, para as demais, 33%. A MP determina que a empresa anote na CTPS e no contracheque do empregado o percentual de gorjetas e o valor pago; também deve ser anotado na CTPS o valor médio pago nos últimos 12 meses a título de gorjeta, além do salário fixo. Além disso, caso a gorjeta tenha sido cobrada por mais de 12 meses, a MP determina que o valor médio seja incorporado ao salário do empregado, pela média, se a empresa deixar de cobrar. Por fim, neste tema, a MP estabelece o pagamento de multa ao empregador, caso descumpra as obrigações legais previstas.
PLR – Participação nos lucros ou resultados: a MP passou a admitir Comissão Paritária para negociação de PLR somente com representantes dos trabalhadores e do empregador, sem a participação de um representante indicado pelo Sindicato Profissional, que era obrigatório. A possibilidade de Convenção ou Acordo Coletivo também permanece como opção para a negociação coletiva e o acordo de PLR. Entidades sem fins lucrativos que utilizem índices de produtividade e qualidade ou programas de metas, resultados e prazos também poderão se valer do PLR, o que antes da MP era vedado. No caso de empregado hipersuficiente, isto é, que tenha curso superior e contratado com salário igual ou acima de 2 tetos da Previdência, a negociação de PLR poderá ser direta com o empregador.
Prêmios: a possibilidade de pagamento recebeu mais regulamentação com a MP. A natureza da verba continua sendo não salarial, porém, a norma estabelece novos requisitos para sua validade. Pode ser pagamento decorrente de ato unilateral do empregador ou previamente ajustado com o empregado ou grupo de empregados e também pode ser previsto em norma coletiva. Somente podem ser pagos a empregados. É preciso que o empregado tenha desempenho superior ao ordinário, que este seja previamente definido, ainda que a avaliação seja discricionária pelo empregador. Será pago no máximo 4 vezes no mesmo ano civil, respeitado 1 pagamento em cada trimestre civil. Há necessidade de definir os critérios, as metas, o ordinário e o extraordinário e de manter em arquivo por 6 anos contados do pagamento.
Atualização e juros sobre débitos trabalhistas: a MP alterou o fator de atualização dos débitos trabalhistas em processos judiciais, determinando a aplicação do IPCA-E, diferentemente do que fez a Reforma Trabalhista, que previa a aplicação da TR, índice que nos últimos tempos não tem servido para defender o credor das perdas inflacionárias. No entanto, houve alteração também nos juros, antes de 1% ao mês, agora com previsão de que seja utilizada a mesma taxa aplicada às cadernetas de poupança.
Auxílio-acidente: o auxílio-acidente é devido ao segurado que sofre acidente e, após a consolidação das lesões dele decorrentes, permanecem sequelas que reduzem a sua capacidade de trabalho na função que habitualmente exercia. A norma da MP se remete ao regulamento a ser expedido pelo INSS para disciplinar as situações deste benefício. Além disso, estabelece que o benefício somente será devido enquanto persistirem as condições que ensejaram o seu pagamento. Por fim, o valor fica equivalente a 50% do benefício aposentadoria por invalidez a que o segurado teria direito.
É bem verdade que o texto original da MP 905/2019 já recebeu inúmeras emendas com propostas de alterações. Por isso, é importante acompanhar a tramitação e as votações nas Casas Legislativas para saber como será a versão final, se será aprovada, se serão inseridas ou não as alterações propostas e então, a partir da conversão em Lei (ou não), o que deve ocorrer até meados do mês de abril, voltaremos a abordar a matéria.
Marcelo Wanderley Guimarães