![]() |
DANOS MORAIS: INDENIZAÇÃO POR ABUSO NA COBRANÇA DE METAS |
![]() |
Os processos envolvendo pedidos de indenização por danos morais são frequentes na Justiça do Trabalho e têm diversas causas. O abuso na cobrança de metas é apenas uma delas.
Antes de tratar de qualquer assunto relativo ao Direito do Trabalho, é sempre bom lembrar que a relação entre empregado e empregador é regida por um contrato. Basicamente, é por força desse contrato que o empregado se obriga a prestar um trabalho em troca do pagamento de salários. Mas, mesmo sendo um contrato, há outras normas jurídicas que também incidem na relação entre empresas e trabalhadores, como as regras legais e constitucionais, por exemplo.
A empresa tem o direito de estabelecer critérios de remuneração para seus empregados, inclusive a remuneração variável que pode ser composta de comissões, prêmios por metas, PLR, entre outros benefícios que podem fazer aumentar o interesse do empregado pela empresa, pelo seu trabalho e, assim, valorizar o seu contrato. Se o empregado tem uma parcela do seu salário vinculada ao desempenho individual ou coletivo, espera-se que ele busque alcançar esses resultados com o intuito de aumentar a sua própria remuneração, trazendo benefícios também para o seu empregador.
Apesar de não ser um tema novo, as condenações por danos morais em razão da cobrança de metas continuam presentes no dia-a-dia da Justiça do Trabalho. “Abuso” é a palavra chave para explicar, juridicamente, esse fenômeno.
Para entender as condenações, é preciso saber que as normas legais e constitucionais que protegem a pessoa – em geral – e o trabalhador – em especial -, se sobrepõem às normas e às práticas contratuais, justamente para evitar que “abusos” venham a ser cometidos pelo empregador com apoio na suposta “concordância” do trabalhador.
Em primeiro lugar, o trabalhador, antes de ocupar uma função ou de ser visto como o empregado da empresa “X” ou “Y”, tem os seus direitos fundamentais enquanto pessoa humana. Na Constituição Federal (art. 1º, III), a dignidade da pessoa humana é um valor fundamental da República, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, o art. 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias individuais de todos, no inciso X, assegura que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e prevê o direito de indenização pelo dano material e moral decorrente da sua violação.
Portanto, o fundamento primeiro para uma indenização por danos morais é comum a todas as pessoas, não é específico do trabalhador. Essa garantia não pode ser relativizada pelo contrato de trabalho quando a pessoa veste o seu perfil de empregado ou empregada. Ela ou ele, e cada um, antes, estão revestidos pela dignidade da pessoa humana, inerente a todos e todas e que deve ser respeitada em qualquer situação. Eis aí um fundamento que caracteriza a República Federativa do Brasil e que se constitui como Estado Democrático de Direito. É preciso que assim seja também de fato. É por isso que a Constituição Federal está escrita dessa maneira.
Assim como a empresa precisa realizar os exames médicos periódicos nos trabalhares, é importante também estar atenta a saúde e a integridade física e mental dos seus empregados. Por isso, cuidar para que o ambiente de trabalho esteja sadio é essencial. Esclarecer, orientar e treinar os gestores e supervisores é elementar para manter o ambiente de trabalho saudável. O empregado que tenha passado por situações vexatórias, humilhantes, ofensas que afrontem a sua dignidade enquanto pessoa poderá pleitear indenização por danos morais na Justiça do Trabalho.
Dois julgamentos proferidos recentemente pela Justiça do Trabalho retratam bem essas situações e revelam que práticas abusivas continuam sendo adotadas em diferentes regiões do país.
No primeiro deles, a empresa utilizava dinâmicas de grupo em que os empregados abaixo do desempenho imitavam sons de animais. No caso concreto, a empregada alegou que teve que imitar o barulho de focas e outros animais, na frente de todos, o que lhe gerou constrangimento. O Tribunal entendeu que as práticas eram incompatíveis com o ambiente de trabalho e que a trabalhadora sofreu de doença ocupacional relacionada ao esgotamento profissional, razão pela qual deferiu indenização por danos morais no valor de R$15.000,00 para a trabalhadora (Fonte: Notícia publicada no site do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, com o título Empregada de MG obrigada a imitar foca será indenizada por danos morais. Acesso em 25.04.2019).
Em outro caso recente, o TST reconheceu a existência de danos morais pela exposição do nome da empregada em ranking de desempenho e resultados atingidos, além de menção do nome da trabalhadora em reunião, por não ter cumprido as metas, e divulgação do seu nome em vermelho no mural de metas. De acordo com esse julgamento, a situação afetou a honra, imagem e dignidade da trabalhadora, o que gerou uma condenação por danos morais no valor de R$10.000,00 (Fonte: TST; RR 0000943-93.2012.5.09.0010; Segunda Turma; Relª Min. Maria Helena Mallmann; DEJT 22/02/2019).
A Lei 13467/2017 (Reforma Trabalhista) procurou incluir na CLT parâmetros para auxiliar o juiz e estabelecer determinados padrões quanto ao valor da indenização nos casos em que houver condenação por danos morais. O art. 223-G da CLT determina que sejam considerados a natureza do bem jurídico tutelado, a intensidade do sofrimento ou humilhação, a possibilidade de superação, os reflexos pessoais e sociais, a extensão e duração dos efeitos da ofensa, as condições em que a ofensa ocorreu, o grau de culpa ou dolo, a retratação espontânea, o esforço para minimizar a ofensa, o perdão tácito ou expresso, a situação social e econômica das partes envolvidas, o grau de publicidade da ofensa. O juiz deve ainda classificar a ofensa como de natureza leve, média, grave ou gravíssima e, assim, fixar a indenização sempre com base no último salário contratual do ofendido (até 3 no caso de ofensa leve, até 5 se ofensa média, até 20 no caso de ofensa grave e até 50 para os casos de ofensa gravíssima). É bem verdade que existem ações no STF que tratam da constitucionalidade das normas aqui mencionadas, especialmente por utilizar o salário do empregado como critério para fixação do valor da indenização (ADI 6050). No entanto, até que o STF julgue a questão, deve-se ter como parâmetro o que consta na lei.
Por vezes, a linha divisória entre o lícito e o ilícito na organização das atividades produtivas e na gestão de pessoas é muito tênue. Se por um lado certos casos deixam evidente a exposição do trabalhador ao ridículo, a situações vexatórias e constrangedoras, outros, por serem menos ostensivos, podem iludir com uma falsa aparência legalidade.
Por isso é tão importante levar em conta o princípio da dignidade da pessoa humana, mencionado no início do texto, que serve como escudo para proteção da pessoa, da sua vida privada, intimidade, imagem e honra. As particularidades de cada um e do trabalhador estão encobertas por esse manto de proteção, daí a exposição abusiva e/ou ofensiva ser um problema de legalidade. Se uma determinada prática, ainda que sob a batuta de modernas e inovadoras técnicas de gestão ou motivacionais, individual ou coletivamente praticadas, tem o potencial de expor os empregados publicamente ou perante seus colegas, coloca-os em situações que podem ser por eles, individualmente considerados, como constrangedoras ou ridículas, há que se repensar a sua utilização, porque há aí um risco elevado de se estar diante de uma conduta ilícita.
Marcelo Wanderley Guimarães