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DISPENSA DISCRIMINATÓRIA MOTIVADA POR DOENÇA |
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Um dos pilares do sistema jurídico brasileiro é o princípio da não discriminação, que encontra expressão no art. 3º, III, da Constituição Federal, como um dos objetivos fundamentais da República. E justamente pela natureza de princípio, é uma norma que orienta a aplicação do direito em todos os seus ramos.
No Direito do Trabalho e, em especial, nas relações de emprego, encontra terreno fértil para incidência, porque desde o momento pré-contratual, durante a vigência do contrato de trabalho e até na dispensa, é possível identificar situações que podem configurar ato de discriminação.
A Constituição Federal refere-se a “preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, mas essa é uma lista exemplificativa dos motivos de discriminação. Isso está destacado na parte final do dispositivo com a utilização da expressão “outras formas de discriminação”.
O momento da dispensa do empregado é uma das situações mais delicadas durante todo o contrato. Se por um lado o empregador faz um planejamento para a dispensa, para o empregado é quase sempre uma surpresa desagradável e se todo esse processo não for bem conduzido, há risco de acabar se transformando numa reclamação trabalhista perante a Justiça.
O empregado que for vítima de dispensa discriminatória terá direito a uma indenização por danos morais, além de possível condenação ao pagamento de salários do período em que esteve afastado e até mesmo a possibilidade de pedir a sua reintegração no emprego.
Por isso é imprescindível que a empresa tome certos cuidados no processo de desligamento e, em muitos casos, avaliar de maneira mais profunda a situação da saúde do trabalhador é essencial. Nem sempre apenas o ASO – Atestado de Saúde Ocupacional – será suficiente.
Nesse sentido, em 2012 o TST editou a Súmula 443 que trata exatamente da dispensa discriminatória de empregados portadores de doença grave, cujo texto é o seguinte:
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Como se sabe, a legislação brasileira não garante estabilidade no emprego aos empregados em geral, o que significa que o empregador tem o direito de fazer a dispensa, independente de justificativa, com a consequência de pagar as verbas previstas em lei para esta modalidade de desligamento. Para alguns casos específicos, a exemplo dos membros eleitos da CIPA, ou da diretoria do Sindicato Profissional, as gestantes, os empregados em retorno de afastamento previdenciário por acidente de trabalho ou doença ocupacional, a lei confere garantia de emprego e nesses casos a dispensa terá que ser justificada pelo empregador, como nos casos de dispensas por justa causa, por exemplo. Em se tratando de dirigente sindical, a legislação é mais rígida e exige que a empresa, antes da dispensa, ajuíze uma ação para comprovar a falta grave cometida pelo empregado.
Então o empregado portador de doença grave não pode ser dispensado? Ou seja, ele tem estabilidade no emprego? Não exatamente. A semelhança entre a estabilidade no emprego e a situação do portador de doença grave é que a empresa precisa comprovar que a dispensa foi motivada. No caso da estabilidade, na maioria das vezes a motivação é uma falta grave cometida pelo empregado; no caso do portador de doença grave, é necessário que o desligamento tenha uma razão de ser, fundamentada, que possa ser comprovada e que, obviamente, não se caracterize como discriminatória em função da doença. Nas duas hipóteses, a empresa tem o ônus da prova, isto é, cabe ao empregador apresentar em processo judicial as provas da motivação da dispensa, sob pena de a dispensa ser considerada inválida. Em primeiro lugar, é preciso que o empregador tenha conhecimento da doença para que se possa alegar que houve uma dispensa discriminatória em função dela.
As práticas discriminatórias e a proteção do trabalhador contra elas têm previsão na Lei 9029/99, que estabelece o direito do empregado vítima de discriminação na dispensa o optar pelo pagamento da remuneração em dobro de todo o período de afastamento ou pela reintegração no emprego com ressarcimento integral da remuneração devida durante o afastamento.
Ocorre que nem a lei nem a Súmula 443 do TST estabelece objetivamente o que vem a ser caracterizado como “doença grave que suscite estigma ou preconceito”. No caso do portador de HIV, também protegido pela súmula, a prova se faz de maneira objetiva, documental, por meio de exames. Já em relação ao “estigma ou preconceito”, o próprio TST tem procurado estabelecer critérios que atribuam maior segurança jurídica na interpretação do verbete. Assim, só o fato de a doença ser grave não basta para gerar a presunção de que a dispensa foi discriminatória. Em tal situação, caberia ao empregado fazer prova da discriminação. Além de grave, portanto, a doença precisa causar estigma ou preconceito, isto é, possuir características que se comuniquem com o meio exterior do empregado, como as doenças contagiosas, aquelas que deixam marcas visíveis na pessoa (hanseníase), as que a sociedade guarda preconceito (HIV, esquizofrenia, tuberculose etc.).
Na trilha de construir a possibilidade de interpretação segura da Súmula 443, recentemente, no julgamento do RR – 68-29.2014.5.09.0245, o TST considerou que o câncer de próstata é uma doença grave causadora de estigma ou preconceito e, assim, na falta de provas outras além da substituição de um empregado antigo por outro mais novo e de menor remuneração, reconheceu a dispensa discriminatória e deferiu ao trabalhador a reintegração no emprego com direito ao pagamento da remuneração do período de afastamento, além da indenização por danos morais.
Para informações sobre o julgamento e valores das indenizações, confira a notícia do TST aqui.
Marcelo Wanderley Guimarães