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O COVID 19 E SEUS EFEITOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO |
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2020 se deparou com o novo corona vírus (Covid 19), que viaja em grande velocidade da China para o mundo. No dia 11 de março de 2020 a OMS – Organização Mundial de Saúde – declarou pandemia, isto é, o reconhecimento de que a doença infeciosa ultrapassou as fronteiras de uma comunidade, região ou um país onde se originou ou estava concentrada. No caso específico, praticamente todos os continentes foram afetados.
A declaração de situação de emergência é um ato formal realizado pelas instâncias de governo. No Brasil, a Portaria MS/GM 188 (03.02.2020) oficialmente declarou “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência da Infecção Humana pelo novo Corona vírus”. A Lei 13.979/2020 trata especificamente de situações relacionadas ao Covid 19 e está regulamentada pela Portaria MS/GM 356/2020.
Embora a taxa geral de letalidade do Covid 19 seja relativamente baixa, elevando-se para pessoas idosas e comorbidades, é fato que a sua capacidade de contaminação é alarmante, resultando em alto número absoluto de mortes ao redor do mundo. Ademais, essa doença se soma a outras epidemias ou pandemias já existentes. Os efeitos colaterais na economia e na vida de relação das pessoas é enorme. Atividades produtivas, industriais, serviços, comércios, escolas, enfim, a pandemia pode causar uma estagnação generalizada, sem falar no caos do sistema de saúde, em razão do elevado número de pessoas que podem a ele acorrer. Daí a necessidade de encontrar mecanismos jurídicos para enfrentamento dessa crise.
A Lei 13.979/2020 esclarece que as pessoas (e coisas) contaminadas pelo Covid 19 ou sob investigação devem permanecer em situação de isolamento, conforme recomendação médica, pelo prazo de até 14 dias, prorrogáveis. Para evitar situações propícias de propagação do vírus, como aglomerações ou trânsito intenso de pessoas, e proteger o sistema de saúde é que se utiliza a quarentena, que depende de ato formal dos poderes públicos e determina a suspensão total ou parcial de atividades em escolas, faculdades, repartições públicas, podendo incluir também empresas privadas, como indústrias, shopping centers, shows, teatros, competições desportivas, bares, restaurantes e tantos outros. Portanto, o isolamento diz respeito a pessoas e objetos com potencial de contaminar outros e a quarenta pode se aplicar a todos, para sua proteção, dos outros e do sistema de saúde como um todo, porque seu objetivo é evitar a propagação em massa da doença.
A lei mencionada prevê que os períodos de isolamento e quarentena sejam considerados como falta justificada. No entanto, é preciso dar a devida interpretação a essa expressão, sob pena de a interpretação literal levar a consequências ainda mais graves do ponto de vista econômico, social e trabalhista.
A se considerar o número de pessoas no país inteiro que podem estar sujeitas a quarentena, é simples concluir que o Erário não está disposto a assumir esta despesa, embora seja dele a capacidade e a responsabilidade, já que a saúde pública é dever do Estado e direito de todos. No entanto, a lei lançou esta bomba relógio para o colo das empresas.
Embora seja da essência do conceito de empresa assumir os riscos do negócio (art. 2º da CLT), a situação atual destoa completamente da normalidade. Não seria razoável nem proporcional impor ao empregador a assunção de risco que não foi por ele criado, não integra o negócio em si, tampouco faz parte do que é normalmente previsto para a sua atividade econômica. Trata-se de fator externo, originalmente relacionado à saúde e que tem efeitos econômicos graves, imprevistos, com o quais o empregador não concorreu, podendo, assim, ser considerado como força maior.
É bem provável que a grande maioria dos empregadores brasileiros, sobretudo os micro, pequenos e médios, caso sejam compelidos a manter todos os seus empregados em casa, com remuneração, por 40 dias ou mais, com pouco ou nenhuma atividade produtiva no período, sejam ao mesmo tempo levados à bancarrota, quebram, causando danos ainda mais graves para a economia brasileira.
Assim, há que se buscar no sistema jurídico a melhor interpretação para falta justificada, de modo a privilegiar o interesse público, o interesse coletivo, em lugar dos interesses individuais de cada empregado. E legislação tem alternativas para minimizar os efeitos da interpretação literal.
Em primeiro lugar, o auxílio-doença é previsto exatamente para o período de afastamento superior a 15 dias para os segurados da previdência acometidos por doenças. Portanto, caso seja necessário um período de isolamento maior, é perfeitamente possível e recomendável que o segurado passe a receber do INSS o benefício já previsto na lei previdenciária. Ressalta-se que o impacto aos cofres público para esta situação não se compara com o número de pessoas em quarentena, caso venha a ser utilizada amplamente a medida. É muito inferior.
Quanto aos trabalhadores em quarentena, também há algumas alternativas.
Considerando-se a situação de pandemia, a emergência de saúde nacional, o interesse público sobre o privado, a alta velocidade em que ocorre a disseminação do vírus e o impacto imediato na economia e nas relações de trabalho, neste caso específico, é preciso submeter certas exigências formais contidas na CLT ao interesse público maior, a fim de amenizar os efeitos da quarentena na atividade econômica.
Uma opção seria o home office. É uma espécie de teletrabalho em que o empregado passa a executar suas atividades em casa. Há necessidade de estabelecer em Termo Aditivo Contratual todas as condições de saúde e segurança, equipamentos adequados, controle de jornada, retornoao regime presencial etc., e o tratamento sobre as despesas decorrentes. Contudo, nem todas as atividades podem ser realizadas nesse sistema. É preciso verificar a viabilidade disso no caso concreto.
Outra opção seria a compensação de horas. É possível que as horas de permanência em casa, sob quarentena, sejam posteriormente “recuperadas” em número máximo de 2 por dia, por até 45 dias, o que depende de prévia autorização do ME/SRT, cabendo a este órgão, nessa circunstância, facilitar a implementação desta medida.
Há possibilidade de o empregador fixar com seus empregados o banco de horas para compensação do período em que estiveram em quarentena. Em se tratando de acordo individual direto com o empregado, o prazo máximo seria de 6 meses; por acordo coletivo, de 1 ano.
A CLT prevê que o empregado que deixar de trabalhar por mais de 30 dias no ano, por de paralisação da empresa, com percepção de salários, perde o direito às férias, sendo necessário comunicar o Sindicato e o ME/SRT com 15 dias de antecedência.
Pode-se, ainda, avaliar a possibilidade de concessão de férias individuais ou coletivas, lembrando que a lei prevê a comunicação ao empregado com 30 dias de antecedência no caso de individuais e 15 dias para coletivas.
A situação atual de emergência não permite a programação com a antecedência que a CLT exige. Por força de ato de governo, a empresa pode vir a ter que manter seus empregados em quarentena de um dia para outro. Os prazos das comunicações formais acima mencionados, portanto, precisarão ser analisados com a devida cautela, não poderão ser interpretados como absolutos. A emergência, ao lado da razoabilidade e da proporcionalidade, permite que sejam adaptados ao momento atual.
O risco de colapso econômico decorrente do Covid 19 faz com que a expressão falta justificada na Lei 13.979 seja interpretada como “necessidade de ausência ao trabalho” por motivo de saúde pública, não necessariamente um “direito de não trabalhar, sem prejuízo da remuneração” durante a quarentena. Em todas as hipóteses mencionadas, mesmo sem o efetivo labor, o empregado recebe a remuneração do período. Busca-se, assim, distribuir melhor os ônus da travessia desta crise entre os Erário, os trabalhadores e os empregados, eis que são riscos sociais.
Marcelo Wanderley Guimarães